Se não ouvesse espetáculo não haveria necessidade de destruição do poder simbólico - a solução está na destruição do sensacionalismo das mídias acabando com os significantes sedutores de sua linguagem. A dissolução da egolatra busca pelo vir a ser. É necessário o fim da nostalgia e do futuro. É preciso o retorno imediato ao presente do infinitivo. O real corre perigo.
"O inimigo é invísivel pois o mito do bem contra o mal é imortal para dialética entre o ser e a linguagem. O espetáculo maniqueísta organiza o caos extraordinário.
É o momento de criar pop stars do ativismo, avatares da 'guerrilla de comunicação', é o momento de ameaçar e encantar as massas com os fantasmas que vem da Rede, de jogar o mito contra o mito, de ser mais niilistas que o info-entretenimento!" (Vitoriamario, s/d).
_0_ Vitoriamario e o net.ativismo
_1_ EDT e VM: dois modelos de simulação midiática
_2_ A virada pop
_3_ Interfaces pop para as massas: um mito político
_4_ Hibridação
_5_ A revolução de 2001
Com esta contribuição quero introduzir o projeto Vitoriamario no debate sobre net. ativismo. Para aqueles que não o saibam: Vitoriamario é um mito pop, um pop star coletivo "aberto", cujo nome é o mesmo de um personagem de figurinha de chiclete. Mas o VM virtual possui uma cara feita por computador. VM é um nome múltiplo: qualquer um pode se tornar VM e utilizar o nome dele/dela para qualquer propósito. Quem usa o nome, aumenta e toma parte de uma fama coletiva. No Brasil, onde pequenos grupos promoveram este projeto, a estratégia do nome múltiplo ativou uma reação em cadeia. Mediante um nome de multi-uso, um mito de massas foi construído e usado em campanhas políticas. Os conceitos que subjazem a VM (nome múltiplo, pop star aberto, avatar político) podem ser uma ferramenta poderosa para construir um movimento de massas, assim como difundir de uma maneira popular a net.cultura e a net.crítica de círculos fechados como Nettime ou N5M, expandindo suas malhas para fora da rede.
Uma pergunta fundamental no corrente debate sobre net ativismo é a oposição entre "simulação" e "ação real". Creio que se tornou uma pergunta viciosa e retórica. Lovink e Garcia, em "O ABC e DEF da Mídia Tática" são muito pacientes com aqueles que são céticos quanto à importância de questões de "representação midiática". Em vez disso, apontarei aqui as teses e estratégias mais radicais expressadas sobre simulação: em minha opinião, o Electronic Disturbance Theater e VM/a.f.r.i.k.a. gruppe.
wwwhack
nettime mailing lists
Ambos pensam que tanto o ativismo como a contra-informação devem aprender a simular no palco da mídia de massas, isto é, no info-entretenimento. Mas esses projetos são completamente diferentes. Electronic Disturbance Theater é o nome de um *grupo* de ativistas. Estes utilizam o "ataque na rede" para protestar contra instituições e mídias de massas sobre questões políticas. Os "atores" do EDT não ocultam seus nomes. Por outro lado, VM só é um nome, uma marca adotada por milhares de pessoas que, muitas vezes, nem se conhecem nem se comunicam entre elas. VM não é um grupo nem um movimento senão um pop star coletivo. Todos os ativistas têm o mesmo nome, todos os ativistas *são* o mesmo pop star múltiplo. VM normalmente não protesta diretamente contra o sistema. Ele/ela trabalha dentro da mídia de massas produzindo notícias falsas, lendas urbanas, pretendendo por em curto-circuito as contradições internas do espetáculo. O nome de VM é utilizado em obras de arte, atos políticos, sabotagens, etc...VM não tem fama mundial como o EDT, mas ele/ela poderia tê-la.
Electronic Disturbance Theater
A principal pergunta que se poderia fazer ao EDT é: qual é o risco de ameaçar e provocar a mídia com simulações? Como controlar os feedbacks e reações violentas? Como evitar ser cooptado ou desencadear um pânico moral? De acordo com Stefan Wray, os ativistas devem se dar conta de que a política é um teatro e que devem aprender a atuar: "estamos manipulando a esfera midiática, estamos criando o hype (tendência), estamos fazendo congestionamento cultural (culture jamming), estamos simulando ameaças e ação [...] somos atores! Isto é teatro político! Uma glorificação e transformação do falso em real, pelo menos na mente das pessoas." Como apresentar o ativismo no palco? Com uma imagem e um nome que funcione na mídia. Isso é lidar com a construção de simulacros: "Como inventamos um exército ciberespacial internacional? Primeiro, dando-lhe um nome."
O simulacro criado pelo EDT é muito simples: se apresenta como um protesto contra as instituições, a mídia, as corporações. Isto pode se definir como simulacro de primeiro nível, pois desafia o Sistema de um modo direto. A efetividade midiática é dada pela ameaça simulada: "O poder da Floodnet(*) jaz na ameaça simulada." A meta é dirigir a atenção para pontos particulares, atrair certo grau de cobertura de mídia dedicando-se a ações pouco usuais. A questão para o EDT é ter inventado um simulacro negativo, destrutivo. O sistema da mídia coopta estes simulacros antagonistas, os demoniza e criminaliza, e utiliza-os para iniciar estados de emergência, pânico moral. O "estado" joga com o mesmo tipo de medo. Isso acontece quando você se situa no "primeiro nível" do jogo da mídia de massas.
Vitoriamario
Se o EDT visa uma luta direta, VM quer aumentar o desafio para um nível lógico mais acima. Como escreveu o a.f.r.i.k.a. gruppe: "A comunicação de guerrilha não foca em argumentos e fatos como a maior parte dos folhetos, revistas, slogans, ou insígnias. A seu modo, ela reside numa posição política militante, é ação direta no espaço da comunicação social. Mas ao contrário de outras posturas militantes (pedras contra vitrines), não é seu objetivo destruir os códigos e signos do poder e do controle, mas distorcer e desfigurar seus significados como modo de contra-atacar o onipotente delírio do poder". Baudrillard citando Wilden: "Cada elemento de contestação ou subversão de um sistema deverá empregar uma lógica superior."
Ao contrário da prática do EDT: "As Guerrilhas de Comunicação não pretendem ocupar, interromper ou destruir os canais dominantes da comunicação mas deturnar (praticar o detóurnement, pilhar) e subverter as mensagens transmitidas." Isto não significa atuar como inocentes atores mas imitar o espetáculo e seus engodos : "Contra uma ordem simbólica das sociedades capitalistas ocidentais que é construída em torno de discursos de racionalidade e conduta racional, a Comunicação de Guerrilha confia na poderosa possibilidade de expressar uma crítica fundamental através do não-verbal, do paradoxal, do mítico."
Com certeza, a estratégia não racional é muito racional: tornar-se o espetáculo, tornar-se mito, usar as armas do info-entretenimento contra ele mesmo. A simples contra-informação tradicional já não funciona mais. VM quer introduzir a luta no reino da cultura pop, construir simulacros "inteligentes", difundir notícias falsas utlizando a ironia pra se retirar no momento preciso. De acordo com o Critical Art Ensemble, o inimigo é invisível, o poder se converteu em um fluxo eletrônico nômade. Se é fácil entender isto, é mais difícil entender como o sistema da mídia de massas coopta, neutraliza ou demoniza as forças subversivas. A rede criou a simulação democratizada e a informação falsificada. Mas onde se encontra o mito na comunicação de massas hoje?
Roland Barthes, "Mitologias", 1957: "Há de estar profundamente estabelecido, desde o início, que o mito é um sistema de comunicação, é mensagem." O mito é o que está do outro lado do Espetáculo, o reverso da paisagem da mídia. O mito unifica o que é oposto no espetáculo e supracodifica(overcode) qualquer façanha ou significado subversivo.
Barthes: "Destruir o mito desde dentro era então extremamente difícil. O mesmo movimento de se ver livre dele, cai de imediato como presa do mito: O mito sempre pode, ao final, significar a resistência feita ao mesmo."
O título da introdução de 'leia-me!" é: "nada é espetacular se você não fizer parte dele".
Não sei se é uma citação nem de onde vem (Debord...? é pura filosofia do Debord!), mas é bastante retórica, politicamente correta, puritana. Deveríamos dizer: nada é espetacular se você *é* parte dele! O ativismo tem de fazer uma virada de 180 graus: vamos chamá-la uma virada pop.
Barthes: "a melhor arma contra o mito é se auto-mitificar, produzir um mito artificial: e este mito reconstituído será uma mitologia real."
Net hype
Por exemplo Net hype é um mito que o ativismo deve parasitar e supracodificar. Como escreve o A.f.r.i.k.a. gruppe: "os crescentes intentos de policiar a rede, de estabelecer o estado e o controle corporativo aumentará, paradoxalmente, sua atração como campo de operação de guerrilhas de comunicação: possivelmente, inclusive aqueles de nós que até agora nem mesmo possui um PC, vai então se conectar. Fraudes e falsos rumores dentro e fora da rede podem ajudar a contra-atacar a comercialização e o controle do estado - afinal, a internet é uma área ideal para produzir rumores e fraudes."
"As Guerrilhas de Comunicação também estão fascinadas por possibilidades oferecidas pela internet num sentido bastante distinto: muito além da sua realidade, A REDE é um mito urbano, e talvez o mais forte e mais vital de todos. O discurso social concebe A REDE como o lugar onde as pessoas, os prazeres, o sexo e os crimes de amanhã já estão acontecendo. Entre na internet, conheça o futuro! Medos e desejos são projetados sobre A REDE: este é o lugar mítico de onde podemos ver o futuro de nossa sociedade."
O palco midiático está englobando a net passo a passo. O espetáculo está se hibridizando com a rede. O imaginário coletivo está penetrando o cyberespaço. O ativismo deve atacar e parasitar o imaginário coletivo alimentado pela rede. O imaginário da mídia de massas está ficando mais e mais interativo, "democrático". As teorias da Velha Esquerda sobre manipulação midiática estão obsoletas.
A "Virada Pop" significa que os ativistas ficaram menos chatos e falam a linguagem das massas. Como todas as interfaces, é um compromisso. Algum ativista puritano, algum anarquista ou eco-raver vai discordar. Mas o único meio de afrontar o info-entretenimento é ser mais niilista que ele. A virada "pop" não é só uma lição estratégica, também é um modo de construir um acesso para as massas.
Avatar pop
A cultura pop é como o panteão hindú, onde deuses e semi-deuses lutam sem parar. Ela trabalha criando autênticos simulacros pop, controlando-os, deixando-os para trás quando começam a produzir reações não desejadas. O ativismo deve construir pop stars virtuais, avatares coletivos conduzidos a partir da rede para atuar no info-entretenimento, como VM ou a idoru Kioko Date. Pela metáfora "avatar de massas" pretendo explicar o modelo do pop star aberto para usuários da rede ou net ativistas que não conheçam sobre o nome múltiplo. A metáfora do avatar pode ser transposta muito facilmente da rede para a mídia tradicional e usado no ativismo midiático. Com "avatar de massas" quero dizer um ídolo virtual para atuar no palco midiático e não uma identidade simulada em uma comunicação de um pra um na rede. Feições antropomórficas fazem o público se identificar com ele. Também, como bem sabem Ballard e Gibson, na sociedade midiática o ícone é o modo direto de acessar o sistema nervoso das pessoas. Franco Berardi, aka Bifo, definiu VM como "o Anticristo da informação". Esta definição explica o propósito de VM de unir-se à contra-informação e a mitologia pop autônoma.
Porta para a mídia
Os hacktivistas devem organizar portas entre a rede e a mídia "tradicional". Estas portas rede-mídia deveriam ser um interface para alimentar e controlar as notícias que a mídia difunde. Trata-se de contactar e cooperar com o pessoal on-line da TV e dos jornais, criando interfaces estúpidas mas amáveis para os jornalistas. A experiência do Eletronic Disturbance Theater o demonstra: se não houvesse feito a primeira página do New York Times em 31 de outubro de 1998, o EDT só teria uma mera existência on-line.
Módulos pop
A hibridação não consiste unicamente em conectar o virtual e "as ruas". Nos arriscamos a permanecer retóricos e previsíveis em ambas as frentes. Temos de hibridizar e contaminar as formas da cultura pop criando módulos pop para o ativismo. A cena Net é um tanque de idéias estranhas e úteis. Pense em um uso midiático subversivo dos trabalhos de arte net mais iconoclastas antes que possam ser captados pela Nike ou Adidas! Um módulo Pop pode ser definido como um programa de plataforma múltipla que pode funcionar em diferentes ambientes sociais e estruturas políticas, tanto na nova como nas velha mídia. Um exemplo é VM cujo nome apareceu em várias ocasiões na mídia italiana em livros de autor, romances, perfomances, shows, campanhas de contra-informação, fraudes, lendas urbanas. O nome múltiplo é um módulo híbrido, pois funciona em tanto na velha como na nova mídia, tanto nas ruas como na rede.
Compondo teorias...
Não necessitamos das fáceis abstrações e oposições da filosofia ocidental que seguem as raízes críticas: simulação vs. ação real, o alternativo vs. corrente dominante, pop vs. vanguarda, molar vs. molecular, "tomemos as ruas" vs. "as ruas estão mortas". Uma teoria (ou estratégia) não se constitue em oposição a outra senão que devem compor-se juntas em um mesmo nível. O "Composicionismo" é um método deleuziano sugerido por autores como Bifo. Observa a besta do espetáculo e seus movimentos. Está se infiltrando na rede e enraizando nas novas formas sem haver abandonado a antiga. O capital infiltra qualquer interstício. A rede não se opõe à mídia de massas, o hipertexto não pode destruir o espetáculo mas novas formas híbridas crescem. O espetáculo se ramifica na rede hipertextual, se faz mais cambiante. Já é híbrido, aprendamos dele.
...e integrando o ativismo
Do mesmo modo o ativismo não abandonará as velhas estratégias mas irá integrá-las, conectá-las entre si. A convergência dos meios conduz a uma convergência de estratégias e "ativismos". Temos que parar de fazer teorias. Simplesmente temos de conectar uma estratégia com outra, uma coisa com outra. A hibridação deve integrar diferentes tipos de ativismo. Depois do hacker, temos de integrar no ativismo web designers e artistas. Falo de um ativismo eufórico, subversivo, iconoclasta, travesso! Se os net artistas começassem a desenhar interfaces e estratégias pop para o ativismo, claro que estariam mais estimulados e inspirados e acabariam sendo mais úteis. Mas não precisamos ser um "rizoma": o mito rizoma trouxe danos. Deleuze e Guattari também pergutaram: Como podemos distinguir entre esquizofrenia subversiva e esquizofrenia capitalista? O capitalismo é esquizo e rizomático também. Precisamos integrar e ser integrados.
A cena ativista da arte-mídia-rede está fragmentada em múltiplos grupos, sub-redes próximas, guetos de cultura alternativa, vanguardistas solitários, hiper-egos. Demos uma olhada no mapa de Jodi. Não sei de que modo se organiza, mas é uma efetiva vista panôramica de "nossa" rede. Esta cena só pode vir a ser popular pela interconexão de cada grupo de artistas, ativistas, escritores, teóricos, designers, jornalistas, mediadores, organizadores, etc. Esta rede podería se converter em um ícone midiático! O próximo movimento subcultural (ocidental), depois do punk, techno, cyberpunk, etc. Temos de encontrar um nome bastante pop e estúpido: "a revolução de 2001".